04/04/2011

Voyage aux îles de la Désolation

Emmanuel Lepage (argumento e desenho)
Futuropolis (França, 10 de Março de 2011)
230 x 325 mm, 160 p., pb e cor, cartonado, 24 €


Resumo
Assumindo um tom entre a reportagem e a narrativa de viagem, o mais recente álbum de Emmanuel Lepage narra a sua viagem de 30 dias, a bordo do Marion Dufresne, num périplo pelas Terras Austrais e Antárcticas Francesas (TAAF).


Desenvolvimento
Tomei conhecimento da existência das TAAF há cerca de uma década, através da minha “paixão” por Selos aos Quadradinhos, aquando da emissão de uma série dos serviços postais locais assinada por Jean-Claude Mezières, o desenhador de Valérian.
Descobri então, que se tratava de uns territórios – longínquos, inóspitos, quase selvagens – os primeiros dos quais anexados à França em 1893, compostos essencialmente por quatro arquipélagos - Saint Paul e Amsterdão, Crozet, Kerguelen e Terra Adélia - situados nas proximidades do círculo polar antárctico mas dependentes do poder francês.
Pouco mais do que rochedos inóspitos na sua maioria – por isso igualmente conhecidos por Ilhas da Desolação -, acessíveis apenas por mar, habitados por uma população que não ultrapassa as duas centenas de pessoas, a maioria dos quais em regime de rotatividade, que trabalha essencialmente em projectos científicos e no observatório astronómico, e que depende quase integralmente dos navios que lá passam a intervalos regulares para substituição do pessoal e abastecimento... e dependentes do bom tempo que lhes permita fazer as cargas e descargas necessárias.
Foi este território que Emmanuel Lepage visitou, numa viagem que durou 30 dias e da qual nasceu este belíssimo álbum, que assume um tom, simultaneamente de documentário e relato de viagem, raramente atingido aos quadradinhos.
Para essa dupla vertente, contribui bastante o grafismo adoptado: desenho mais realista, a preto, branco e cinzento, para narrar os diversos acontecimentos do périplo e retratar aqueles com quem Lepage conviveu ao longo de um mês; esboços coloridos – fantásticos pela sua beleza, realismo e naturalidade - feitos no local, para ilustrar aspectos dos vários locais visitados: fauna, flora, lugares. Efeito acentuado pelas diferentes texturas do papel utilizados num e noutro caso. (A um outro nível, este livro é também um interessante documento sobre a forma de trabalhar do autor, como ele ataca o esboço, como vai aperfeiçoando o traço, como aplica a cor…)
Apesar do óbvio carácter autobiográfico do relato, Lepage – ao contrário do que têm feito muitos dos seus pares – assume um tom contido no que lhe diz respeito – sem que isso implique apagar-se por completo, pois ao longo das páginas vamos tendo conhecimento dos seus longos enjoos, de sentimentos, emoções e descobertas – chega a comparar, pela desolação da paisagem, uma das ilhas em que desembarca com… a Lua. Até porque ele, apesar de tudo, através do relato vai-se revelando, descobrindo, mostrando, por exemplo, o que o levou a querer fazer BD, como esta foi uma oportunidade de dar assas aos seus sonhos de criança, nascidos das leituras de Hergé - “Tintin e a Estrela Misteriosa” -, Stevenson, Verne, etc…
Em vez disso, o autor preferiu dar o protagonismo à viagem viagem, que vai diversificando para além do facto em si. Dessa forma, retrata – no papel, nos sentimentos, nas motivações, alguns daqueles que consigo embarcaram – marinheiros, cientistas, políticos, turistas… - mas também daqueles com quem se cruza nas TAAF, gente que vive sozinha (uma dura realidade), isolada do mundo, meses a fio, sem internet nem telemóvel, com vivências difíceis, hábitos (tornados obrigatoriamente) diferentes…
Esta é a também uma oportunidade para conhecer um pouco da História das ilhas da Desolação (por exemplo, de como um dos seus descobridores caiu em desgraça, facto que levou a que só muitos anos mais tarde elas fossem baptizadas com o seu nome) e dos muitos atropelos ecológicos cometidos por ganância ou ignorância ao longo de dois séculos.
Por tudo isto, se este é um relato preciso – como um documentário – é também (muito) emotivo – como um diário ou um caderno de viagens.


A reter
- A força, a emoção, a densidade do relato.
- A arte – sublime – de Lepage, em especial nos esboços a cores.
- Por muitas vantagens – tecno-lógicas, finan-ceiras, de espaço, ecológicas – que cada vez mais (alguns) apontem aos e-books, nenhum, nunca poderá transmitir o prazer se sente ao ter nas mãos um livro como este. Robusto, pesado, em papel mate de 135 g, com um fantástico cheiro a tinta fresca…


Menos conseguido
- Confesso que a leitura deste (belíssimo!) álbum, foi uma das maiores surpresas e um dos maiores prazeres que tive nos últimos meses. E, por isso, relido este texto, fica a frustração de não ter conseguido, com ele, transmitir tanto quanto provocou em mim a leitura desta obra.
Deixo, em jeito de moral, uma frase de Lepage: “Estas terras ensinam a humildade”.

2 comentários:

  1. Magnífico, Pedro, magnífico livro! Cruzei-me com ele por acaso, um cliente da FNAC Chiado encomendara-o e deixou-o lá, folheei-o, e oops, fez a minha felicidade no final do ano! Acho que teria valido a pena cruzar a info sobre o livro com a obra anterior do Lepage. E chamar a atenção para o facto de ser uma lesão crónica (ver entrevista à ActuaBD) que leva o autor a trabalhar assim, saltitando entre simples "crayonés" e belas aguarelas, evitando sempre a caneta. E lamentar ainda a miopia do júri de seleção de Angoulême ao esquecer este belo livro...

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  2. Caro RC,
    Sim, o livro é magnífico.
    Não pondo em causa a possibilidade de cruzar esta obra com outras, guardo normalmente esse tipo de abordagem quando falo mais especificamente de um autor. Nos outros casos, geralmente dedico a escrita mais à obra em análise.
    E só descobri a questão da lesão mais tarde...
    Boas - e belas - leituras!

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